Sancho Pinto Ferreira Gomes
Como citar
Ofício sobre a morte de Solon da Cunha com
 nota de Joel Bicalho Tostes. Tarauacá, Acre, 12 maio 1916. In: ANDRADE,
 Juan C. P. de (org.). Euclides da Cunha site. Disponível em http://euclidesite.wordpress.com/documentos. Acesso em [data].
 Publicado originalmente no Jornal Oficial.
 Semanário da Prefeitura de Tarauacá, Acre, nº 6, 21 maio 1916. 
Reproduzido e comentado por Joel Bicalho Tostes no extinto site oficial 
da família de Eculides da Cunha. 
Nota de Joel Bicalho Tostes
Transcrevemos a seguir ofício relatando o assassinato de 
Solon da Cunha, filho de Euclides, fato muito pouco conhecido em seus 
detalhes. Ele morreu em 6-maio-1916 e em 4-julho do mesmo ano também foi
 assassinado, no Rio de Janeiro, seu irmão Euclides Filho. A transcrição
 segue rigorosamente a redação e a grafia empregada.
 
Após a transcrição, comenta o pesquisador:
Merece cuidadosa reflexão o estranho fato de um jovem em 
pleno vigor dos 23 anos de idade ir isolar-se, algum tempo após o 
assassínio do pai Euclides da Cunha, em um lugarejo ermo perdido no 
interior do Acre, de difícil e fatigante acesso até mesmo nos dias de 
hoje, quando se dispõe das vantagens de transporte de toda a natureza; e
 em 1915 /1916 os sacrifícios para atingir Tarauacá deveriam ser 
enormes.
Por que abandonaria as vantagens do Rio de Janeiro ? Por que não 
escolheria São Paulo ou outra cidade mais acessível, Salvador por 
exemplo, onde contaria eventualmente com parentes ?
Sua mãe casou em 1911 com quem matara o seu pai. Solon sofreu forte 
influência de Anna, como conseqüência das ausências de Euclides, pelas 
viagens no desempenho das atribuições de trabalho como engenheiro. Era 
também amigo dos irmãos Assis, em especial de Dinorah. Por fim Solon 
estava com a mãe na casa de Dilermando e assistiu ao desenrolar do 
terrível drama de 15/8/1909.
Tentemos imaginar outro aspecto: além das dores físicas, a 
indescritível dor moral de quem, morrendo, via ali também presente o seu
 primeiro filho…
Embora a fonte única que propagou na época o acontecimento não mereça
 credibilidade, como ficou provado ao longo do tempo, se o “perdôo-te” 
foi realmente pronunciado pelo infeliz Euclides já agonizando, pode-se 
supor a quem esse perdão era destinado.
 
Villa Feijó, 12 de maio de 1916.
Exmo. sr. dr. José Thomaz da Cunha Vasconcellos,
m.d. Prefeito de Taraucá
Com o mais profundo pezar, cumpro o dever de levar ao conhecimento de
 v. exc. o lamentável incidente em que foi victimado o nobre e saudoso 
Delegado Auxiliar de Policia deste 2º Termo cidadão Solon da Cunha, no 
dia 6 de maio, sabbado as 9 horas da noite. 
Pelo officio numero vinte e quatro, aquella autoridade communicou a 
v. exc. que ia fazer a diligencia para abrir inquerito e prender os 
culpados na tragedia de 21 de abril, da qual foram protagonistas João 
Muniz Correia Lima, socio da firma Correia Lima & Cª, seu irmão 
Francisco Muniz Correia Lima, seu aviado o criminoso impune Antonio 
Sobralino de Albuquerque, seus freguezes João Ribeiro, Pedro Paulo 
Pessôa (vulgo Pedro couxo), João Ignacio, José Malaquias, Frutuoso de 
tal e mais 28 homens armado de rifles e embalados, cujos nomes ignoro, 
dos seringaes Santa Cruz e Sant Anna; e Possidonio de Oliveira, socio da
 firma Cardoso & Oliveira, João Nogueira e o velho João Baptista 
Lima, José Candido de Oliveira e Manoel Monteiro, do seringal 
Mira-Flores, tendo sido assassinados os tres primeiros deste seringal, e
 se evadido os dois ultimos. 
Dos seringaes Santa Cruz e Sant Anna, somente consta Ter sido ferido,
 com uma bala no braço esquerdo, perto do hombro, Francisco Muniz 
Correia Lima. 
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Manoel Affonso (sentado), Solon
(centro) 
e Euclides da Cunha Filho, filhos de 
Euclides da Cunha, por Bastos Dias. 
(euclidesite.wordpress.com) | 
Partimos desta Villa, no dia 1º deste as 6 horas da manhã, chegando 
no seringal Mira-Flores do Rio Jurupary, propriedade de Cardoso & 
Oliveira, deste 2º Termo e do 7-º Districto de Policia, no dia 1 as tres
 horas da tarde, acompanhado pelo cabo e duas praças aqui destacadas; 
ahi foram notificados 8 homens deste seringal e partimos no dia seguinte
 a 1 hora da tarde para o local onde se deram as gravissimas 
occurrencias que já aludi. Pernoitamos numa barraca do seringal 
Mira-Flores, de onde partimos no dia 5 as 8 horas da manhã passando 
ainda as 10 horas na barraca de “carneiro”, e as duas horas da tarde 
passamos na barraca “Maracujá”pertencente ao seringal “Santa Cruz”, 
propriedade dos senhores Correia Lima & Cª e ahi effectuamos a 
prizão de Mariano e Bernardino de tal, freguezes da firma acima, que nos
 acompanharam até a barraca dos Ambrosios”, nas proximidades da qual 
prendemos ainda Luiz de Almeida, que nos acompanhou também. Ao chegarmos
 a referida barraca fez-se um reconhecimento verificando-se lá se 
encontrarem 4 individuos preparados para resistir a quem chegasse, pois 
estavam deitados em suas redes com os rifles ao alcance da mão. O preso 
Luiz de Almeida, fez ver ao Delegado que dois daquelles homens 
entregavam-se resistindo porem os outros dois, effectivamente assim 
aconteceu. Dissera ainda Luiz de Almeida, que tendo morto uma mambú e 
indo deixa-la na barraca aos companheiros, momentos antes de ser preso, 
os encontrou todos quatro de rifle em punho e os quaes lhe disseram: 
quando voce se aproximar da barraca faça signal, gritando de longe. 
Depois de estarmos senhores do terreno, o Delegado sahio na frente no 
terreiro, acompanhado pelo cabo, os dois soldados e os notificados, 
ficando eu e Luiz de Barroso, guardando os tres presos, intrincheirados 
na bocca de uma estrada de seringueira, a cinco metros de distancia da 
dita barraca, indo o Delegado um pouco adiante pediu licença subindo as 
escadas da barraca e disse: sou Delegado de Policia. Os dois atacaram-no
 de rifle em punho, tendo o criminoso Francisco Leandro, disparado seu 
rifle no Delegado o projetil atinjindo-o nas proximidades do umbigo, do 
lado direito. Apezar de ferido Solon desfechou um tiro no peito do 
assassino prostando-o e deu ordem de fogo, no que foi obedecido, cahindo
 em seguida o outro companheiro que de rifle em punho jurava vingar a 
morte de Francisco Leandro, o qual chamava-se Bernardino de tal; os 
outros dois aproveitaram-se da ocasião e evadiram-se em vertiginosa 
carreira. Tudo isto não durou mais de dois de dois minutos. Sendo 
sabedor por Luiz Almeida, freguez de Correia Lima & Cª , que a uma 
hora de distancia se achava em uma barraca o criminoso Antonio Sobralino
 de Albuquerque, aviado da dita firma acima, com nove homens armados de 
rifles esperando qualquer aviso, achei prudente, regressar d’alli em 
continente para obter socorro para o Delegado que estava mortalmente 
ferido e fiz partir a toda pressa dois dos notificados Luiz Barroso e 
Alexandre Albuquerque para buscar medicamentos no barracão Mira-Flores e
 gente, pois eram seis horas da tarde e receiava-se a cada instante novo
 ataque, tratando logo da condução de Solon em uma rede o que se fez, 
partindo-se dalli as 6 horas da tarde e assim andamos, em busca da 
barraca “Revolta”, por um varadouro horrivel até 9 horas da noite em que
 o saudoso Delegado fez parar o pessoal e perguntou se estava com a 
falla mudada dizendo estar quasi cego, dando em seguida um longo suspiro
 e disse: ai meu pai! Assim faleceu o nobre e distincto brazileiro Solon
 da Cunha, no sagrado cumprimento de seus deveres. Prosseguimos com o 
cadaver até 1 hora da madrugada, ora por varadouros, ora por uma estrada
 de rodagem e ahi esperamos que o dia amanhecesse. Demos-lhe sepultura 
nas proximidades da barraca de Carneiro de tal, freguez da firma Cardoso
 & Oliveira, do seringal Mira-Flores. Apos Ter lhe dado sepultura 
segui para o dito seringal acima citado e de lá regressei a esta Villa, 
conduzindo Luiz Almeida, e mais tres testemunhas que presenciaram as 
occurrencias de 21 de abril p. passado, bem como cinco rifles, que 
aprendi, 1 na barraca de “Maracujá” e os 4 ultimos na barraca dos 
“Monteiros”, onde se deram as tristes e lamentaveis occurrencias que 
acabo de expor. 
Cumpre-me ainda levar ao conhecimento de v. exc., que o brioso e 
nobre Solon da Cunha, ao sahir desta Villa, para a infeliz diligencia, 
dispediu-se de todos dizendo Ter certeza de morrer, na mesma, ao ponto 
de Ter deixado cartas para a sua noiva e seu irmão, apezar disto sempre 
alegre, delicado, destemido como um bravo, colocando sempre o sagrado 
cumprimento dos deveres acima de tudo. Com o desaparecimento do morto 
illustre perdeu v. exc. um dos leaes e dedicado servidores, e a Patria 
Brazileira, um moço de honestidade reconhecida e de um caracter puro e 
sem mancha, virtudes estas, que rarissimamente se encontram em nosso 
Paiz, que chora a falta de homens da fibrattura de Solon da Cunha.
Saudações
Sancho Pinto Ferreira Gomes