Minha foto
Cidade fundada a partir de um seringal de nome Foz do Muru, no início do século XX. Em 1907 passou a ser vila. Anos depois, 24 de Abril de 1913, foi elevada à categoria de cidade. Até 1943 o município se chamou SEABRA, quando então recebeu o nome TARAUACÁ, palavra indígena que quer dizer "rio dos paus ou das tronqueiras". O abacaxi gigante que a região produz, de até 15 kg, juntamente com as inúmeras tarauacaenses que venceram o concurso Miss Acre, Tarauacá ficou conhecida como “Terra da mulher bonita e do abacaxi grande”.

ROTEIRO INFANTE

Leandro Tocantins


A José Néri da Rocha, que foi, como eu, 
menino de Tarauacá 


Eis o rumo principal, Avenida Juvêncio de Menezes. 
O calçadão entornando-se no meio da rua 
(não havia automóveis) 
articula os passos do menino. 
Aqui é o fórum adiante o mercado, 
A maçonaria, a prefeitura, o telégrafo 
(Ah! Sua torre, alta e esguia, a torre do telégrafo 
como um fio descido do céu, aproxima-se das nuvens 
para transmitir segredos ao pé do ouvido). 
A avenida vem ao encontro da Praça do Coreto 
Onde deslizam os sonhos, de onde vêm? Para onde vão? 
E o cinema no puro instante da imagem muda e iluminada 
Liberta fantasias na extensão de mundos inalcançáveis. 
Ali o menino vai receber 
Aulas de piano na bonita casa da professora. 
O médico, o delegado de polícia, a parteira, o padre 
Abrem as janelas e portas com vocação 
De receber e armar gestos amigos. 
A Avenida Juvêncio de Menezes 
leva as almas no instante do amor e do socorro 
na Igreja de São José que oferece 
a face, o perfil, a fonte da Santa Paz do Senhor.
Nem o tempo íngreme imobiliza em meus ouvidos
Os sons da banda como borboletas encantadas 
No coreto que se desprende do roteiro da 
Avenida Juvêncio de Menezes.

Rio de Janeiro, 1994 

 Tocantins, Leandro. O aprendiz renascido (poesia). Belém: Cejup, 1995.
Av. Juvêncio de Menezes a qual se refere Leandro Tocantins no poema acima.

Leandro Tocantins nasceu em Belém do Pará. Aos nove meses de idade viajou com seus pais para o Acre, estabelecendo-se no Seringal Foz do Muru, em frente à cidade de Tarauacá, onde se estabeleceram para administrar seringais, herança da liquidação da Casa Aviadora Barbosa & Tocantins, na Praça de Belém, afetada pela crise econômica da borracha. Os cenários virgens acreanos foram a primeira visão no espírito do menino, que mais tarde, se inspiraria, já escritor, a produzir Os Olhos Inocentes (Imitação da Infância), Prêmio Osvaldo Orico da Academia Brasileira de Letras, que ele classifica de novela existencial, Aventuras de Tizinho (nos rios e nas selvas amazônicas), novela juvenil adaptada para o teatro e encenada no Rio de Janeiro. Na verdade, toda a sua obra de escritor gira em torno de dois pólos de influência: Pará (Belém e ilha do Marajó), e Acre. É o primeiro a projetar literariamente a região de Tarauacá a nível nacional. Leandro Tocantins faleceu em 2004.

ÁGUAS DO TARAUACÁ

Toada “Águas do Tarauacá”, na voz de uma das consagradas vozes amazônicas, David Assayag. A toada é de autoria de Hugo Levy e venceu o Festival de Toadas 2009, promovido pela Prefeitura de Manaus, por meio da Fundação Municipal de Cultura e Turismo (Manauscult).


              P.S. favor desconsiderar o 'pequeno' equívoco de acentuação gráfica.

AS “CASAS DE FARINHA” DE TARAUACÁ

Mário Maia

Para o resgate da memória do povo tarauacaense, transcrevo um dos trechos do livro “Rios e Barrancos do Acre” do memorável médico e ex-senador acreano Mário Maia, editado em 1968, em Niterói (RJ). É uma transcrição acerca das casas de farinha de Tarauacá, barracões rústicos (feitos de madeiras, sem beneficiamento “industrial” e cobertos de palhas), construídos em épocas de eleições para congregar e alegrar o eleitorado, cujos resquícios ainda presenciei nos anos 90.


A casa de farinha [...] não era uma casa de farinha propriamente dita, isto é, o local onde se procede o fabrico de farinha de mandioca com caititu, roda bolandeira, prensa, forno, tacho de torrar, cocho para separar a goma do tucupi e demais apetrechos dessa faina de pequena e artesanal indústria de herança nativa, de transformação da macaxeira. A “casa de farinha” era um grande galpão cujas tesouras, linhas, caibros, longarinas e pernas-mancas, eram feitas de madeira roliça, sem descascar e coberto com palha de ouricuri. O assoalho era de tábuas grosseiras, sem aplainar, postas, ajustadas e pregadas lado a lado. Esse grande barracão assim descrito, construía-se periodicamente em Tarauacá, mais ou menos no mesmo lugar, nas épocas de eleições, daqueles tempos em que havia comícios e quando se ia falar, não se fazia boca-de-siri. Era edificada na beira do rio, bem em frente de onde o Muru conflui com o Tarauacá. Aliás, essa denominação de Casa de Farinha, foi oferecida pelos adversários que assim a denominavam, pejorativamente, a fim de causar raiva aos opositores, querendo significar que o local de suas festas políticas, pela aparência tosca da construção, assemelhava-se mais ao galpão da bolandeira e do caititu. 

Aconteceu que os partidários do PTB que construíam o barracão, ao invés de se apoquentarem, glosaram o chiste, transformando-o em sigla de propaganda político-partidária, popularíssima, invertendo, desse modo, a provocação dos pessedistas. 

Os trabalhistas de Tarauacá falavam com euforia e até com uma certa vaidade: – “Pois é; é nossa Casa de Farinha mesmo. Lá nós ralamos no caititu a macaxeira para fazer farinha, beiju e tapioca”. As palavras aqui vão além do seu simples significado: é uma alegoria para mangar do chefe principal do PSD no Acre que também era conhecido como deputado “macaxeira” devido a uma comparação pouco feliz que o mesmo, em uma das campanhas políticas, em um certo comício, fez com as raízes amidógenas dessa euforbiácea com os hábitos alimentares primitivos dos acreanos.  

Assim, o povo do “peteba” queria dizer que ia triturar o político, na casa de farinha, transformando-o em farinha, goma e tucupi. Dessa forma, com o passar do tempo, Casa de Farinha no município de Tarauacá, na linguagem política local, deixou de ser um simples galpão improvisado, para o povo humilde se divertir, nas épocas de campanhas políticas. Casa de Farinha tornou-se uma instituição de forte significado político, com características próprias e interessantes. Dessa concepção farinosa, institucionalizada pelos habitantes dos vales daqueles rios, principalmente nos períodos de propaganda para os pleitos eleitorais, costumam criar-se várias expressões populares derivadas desse fato, no sentido figurativo de exaltação do Partido, em suas manifestações folclóricas, tais como: “vamos fazer farinha”, “vamos à farinhada”, “vamos torrar beiju” ou “fazer tapioca”, expressões que no período da campanha política, equivalem a: “vamos mandar brasa”; vamos pular, gritar, dançar e dar “vivas” aos nossos candidatos, “vivas” ao nosso partido e “morras” aos adversários. Casa de Farinha, portanto, em Tarauacá, significa povo humilde, simples, de mãos calosas; gente afeita ao trabalho da agricultura, do seringal, dos roçados, das praias, dos rios e dos barrancos do Muru e do Tarauacá. 

Outro nome que venha a ter a agremiação representativa dessa gente e desses valores, vericar-se-á sem esforço que a expressão “Casa de Farinha” vai ficando, sedimentando-se, enraizando-se e enriquecendo de significado, já agora não mais simbolizando um galpão de palha, porém, sim, um estado de espírito social, político-partidário, cada vez mais consistentes em seu fim, influindo significativamente na sociedade local. De fato, extinguiram-se partidos, criaram-se novas siglas, mas a alma alegre das farinhadas não se extinguiu. Ela continuou e continua transformando a macaxeira em farinha, beijus e tapiocas. E não é mais só em Tarauacá. Todo o Acre está na farinhada, aderiu a farinhada e quanto mais macaxeira houver, mais caititus aparecerão para ralá-la. Assim, a expressão “Casa de Farinha” permanece viva, mesmo quando aquele galpão de madeira roliça e palha de ouricuri vai se acabando até se construir outro no mesmo lugar. 


MAIA, Mário. Rios e Barrancos do Acre. Niterói: Gráfica do Senado, 1978. (p. 121-123) 


P.S. caso alguém tenha alguma foto de uma “casa de farinha”, agradeceríamos se nos enviassem uma cópia.

TARAUACÁ E O CASO SÓLON DA CUNHA (II)

Sancho Pinto Ferreira Gomes

Como citar

Sólon da cunha
(euclidesite.wordpress.com)
Ofício sobre a morte de Solon da Cunha com nota de Joel Bicalho Tostes. Tarauacá, Acre, 12 maio 1916. In: ANDRADE, Juan C. P. de (org.). Euclides da Cunha site. Disponível em http://euclidesite.wordpress.com/documentos. Acesso em [data]. Publicado originalmente no Jornal Oficial. Semanário da Prefeitura de Tarauacá, Acre, nº 6, 21 maio 1916. Reproduzido e comentado por Joel Bicalho Tostes no extinto site oficial da família de Eculides da Cunha.

Nota de Joel Bicalho Tostes
Transcrevemos a seguir ofício relatando o assassinato de Solon da Cunha, filho de Euclides, fato muito pouco conhecido em seus detalhes. Ele morreu em 6-maio-1916 e em 4-julho do mesmo ano também foi assassinado, no Rio de Janeiro, seu irmão Euclides Filho. A transcrição segue rigorosamente a redação e a grafia empregada.
Após a transcrição, comenta o pesquisador:
Merece cuidadosa reflexão o estranho fato de um jovem em pleno vigor dos 23 anos de idade ir isolar-se, algum tempo após o assassínio do pai Euclides da Cunha, em um lugarejo ermo perdido no interior do Acre, de difícil e fatigante acesso até mesmo nos dias de hoje, quando se dispõe das vantagens de transporte de toda a natureza; e em 1915 /1916 os sacrifícios para atingir Tarauacá deveriam ser enormes.
Por que abandonaria as vantagens do Rio de Janeiro ? Por que não escolheria São Paulo ou outra cidade mais acessível, Salvador por exemplo, onde contaria eventualmente com parentes ?
Sua mãe casou em 1911 com quem matara o seu pai. Solon sofreu forte influência de Anna, como conseqüência das ausências de Euclides, pelas viagens no desempenho das atribuições de trabalho como engenheiro. Era também amigo dos irmãos Assis, em especial de Dinorah. Por fim Solon estava com a mãe na casa de Dilermando e assistiu ao desenrolar do terrível drama de 15/8/1909.
Tentemos imaginar outro aspecto: além das dores físicas, a indescritível dor moral de quem, morrendo, via ali também presente o seu primeiro filho…
Embora a fonte única que propagou na época o acontecimento não mereça credibilidade, como ficou provado ao longo do tempo, se o “perdôo-te” foi realmente pronunciado pelo infeliz Euclides já agonizando, pode-se supor a quem esse perdão era destinado.
Villa Feijó, 12 de maio de 1916.
Exmo. sr. dr. José Thomaz da Cunha Vasconcellos,
m.d. Prefeito de Taraucá

Com o mais profundo pezar, cumpro o dever de levar ao conhecimento de v. exc. o lamentável incidente em que foi victimado o nobre e saudoso Delegado Auxiliar de Policia deste 2º Termo cidadão Solon da Cunha, no dia 6 de maio, sabbado as 9 horas da noite. 

Pelo officio numero vinte e quatro, aquella autoridade communicou a v. exc. que ia fazer a diligencia para abrir inquerito e prender os culpados na tragedia de 21 de abril, da qual foram protagonistas João Muniz Correia Lima, socio da firma Correia Lima & Cª, seu irmão Francisco Muniz Correia Lima, seu aviado o criminoso impune Antonio Sobralino de Albuquerque, seus freguezes João Ribeiro, Pedro Paulo Pessôa (vulgo Pedro couxo), João Ignacio, José Malaquias, Frutuoso de tal e mais 28 homens armado de rifles e embalados, cujos nomes ignoro, dos seringaes Santa Cruz e Sant Anna; e Possidonio de Oliveira, socio da firma Cardoso & Oliveira, João Nogueira e o velho João Baptista Lima, José Candido de Oliveira e Manoel Monteiro, do seringal Mira-Flores, tendo sido assassinados os tres primeiros deste seringal, e se evadido os dois ultimos. 

Dos seringaes Santa Cruz e Sant Anna, somente consta Ter sido ferido, com uma bala no braço esquerdo, perto do hombro, Francisco Muniz Correia Lima. 

Manoel Affonso (sentado), Solon (centro)
e Euclides da Cunha Filho, filhos de
Euclides da Cunha, por Bastos Dias.
(euclidesite.wordpress.com)
Partimos desta Villa, no dia 1º deste as 6 horas da manhã, chegando no seringal Mira-Flores do Rio Jurupary, propriedade de Cardoso & Oliveira, deste 2º Termo e do 7-º Districto de Policia, no dia 1 as tres horas da tarde, acompanhado pelo cabo e duas praças aqui destacadas; ahi foram notificados 8 homens deste seringal e partimos no dia seguinte a 1 hora da tarde para o local onde se deram as gravissimas occurrencias que já aludi. Pernoitamos numa barraca do seringal Mira-Flores, de onde partimos no dia 5 as 8 horas da manhã passando ainda as 10 horas na barraca de “carneiro”, e as duas horas da tarde passamos na barraca “Maracujá”pertencente ao seringal “Santa Cruz”, propriedade dos senhores Correia Lima & Cª e ahi effectuamos a prizão de Mariano e Bernardino de tal, freguezes da firma acima, que nos acompanharam até a barraca dos Ambrosios”, nas proximidades da qual prendemos ainda Luiz de Almeida, que nos acompanhou também. Ao chegarmos a referida barraca fez-se um reconhecimento verificando-se lá se encontrarem 4 individuos preparados para resistir a quem chegasse, pois estavam deitados em suas redes com os rifles ao alcance da mão. O preso Luiz de Almeida, fez ver ao Delegado que dois daquelles homens entregavam-se resistindo porem os outros dois, effectivamente assim aconteceu. Dissera ainda Luiz de Almeida, que tendo morto uma mambú e indo deixa-la na barraca aos companheiros, momentos antes de ser preso, os encontrou todos quatro de rifle em punho e os quaes lhe disseram: quando voce se aproximar da barraca faça signal, gritando de longe. Depois de estarmos senhores do terreno, o Delegado sahio na frente no terreiro, acompanhado pelo cabo, os dois soldados e os notificados, ficando eu e Luiz de Barroso, guardando os tres presos, intrincheirados na bocca de uma estrada de seringueira, a cinco metros de distancia da dita barraca, indo o Delegado um pouco adiante pediu licença subindo as escadas da barraca e disse: sou Delegado de Policia. Os dois atacaram-no de rifle em punho, tendo o criminoso Francisco Leandro, disparado seu rifle no Delegado o projetil atinjindo-o nas proximidades do umbigo, do lado direito. Apezar de ferido Solon desfechou um tiro no peito do assassino prostando-o e deu ordem de fogo, no que foi obedecido, cahindo em seguida o outro companheiro que de rifle em punho jurava vingar a morte de Francisco Leandro, o qual chamava-se Bernardino de tal; os outros dois aproveitaram-se da ocasião e evadiram-se em vertiginosa carreira. Tudo isto não durou mais de dois de dois minutos. Sendo sabedor por Luiz Almeida, freguez de Correia Lima & Cª , que a uma hora de distancia se achava em uma barraca o criminoso Antonio Sobralino de Albuquerque, aviado da dita firma acima, com nove homens armados de rifles esperando qualquer aviso, achei prudente, regressar d’alli em continente para obter socorro para o Delegado que estava mortalmente ferido e fiz partir a toda pressa dois dos notificados Luiz Barroso e Alexandre Albuquerque para buscar medicamentos no barracão Mira-Flores e gente, pois eram seis horas da tarde e receiava-se a cada instante novo ataque, tratando logo da condução de Solon em uma rede o que se fez, partindo-se dalli as 6 horas da tarde e assim andamos, em busca da barraca “Revolta”, por um varadouro horrivel até 9 horas da noite em que o saudoso Delegado fez parar o pessoal e perguntou se estava com a falla mudada dizendo estar quasi cego, dando em seguida um longo suspiro e disse: ai meu pai! Assim faleceu o nobre e distincto brazileiro Solon da Cunha, no sagrado cumprimento de seus deveres. Prosseguimos com o cadaver até 1 hora da madrugada, ora por varadouros, ora por uma estrada de rodagem e ahi esperamos que o dia amanhecesse. Demos-lhe sepultura nas proximidades da barraca de Carneiro de tal, freguez da firma Cardoso & Oliveira, do seringal Mira-Flores. Apos Ter lhe dado sepultura segui para o dito seringal acima citado e de lá regressei a esta Villa, conduzindo Luiz Almeida, e mais tres testemunhas que presenciaram as occurrencias de 21 de abril p. passado, bem como cinco rifles, que aprendi, 1 na barraca de “Maracujá” e os 4 ultimos na barraca dos “Monteiros”, onde se deram as tristes e lamentaveis occurrencias que acabo de expor. 

Cumpre-me ainda levar ao conhecimento de v. exc., que o brioso e nobre Solon da Cunha, ao sahir desta Villa, para a infeliz diligencia, dispediu-se de todos dizendo Ter certeza de morrer, na mesma, ao ponto de Ter deixado cartas para a sua noiva e seu irmão, apezar disto sempre alegre, delicado, destemido como um bravo, colocando sempre o sagrado cumprimento dos deveres acima de tudo. Com o desaparecimento do morto illustre perdeu v. exc. um dos leaes e dedicado servidores, e a Patria Brazileira, um moço de honestidade reconhecida e de um caracter puro e sem mancha, virtudes estas, que rarissimamente se encontram em nosso Paiz, que chora a falta de homens da fibrattura de Solon da Cunha.

Saudações
Sancho Pinto Ferreira Gomes


> Clique aqui para mais informação sobre o caso Sólon da Cunha.

Seguidores